quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Elfos, Orcs e Dragões (Parte 1) - J. R. R. Tolkien


Finalmente consegui comprar o volume único de "O Senhor dos Aneis" ano passado. Li só um pouco de Tolkien, apenas 2 livros, mas talvez seja o autor que mais me influenciou. Não só como escritor. Não porque a cada 5 minutos faço uma piada com "Precioso". Percebo o quanto a cultura "pop"  desta década tem as influencias indiretas de Tolkien. Com certeza, não teríamos RPG's. Talvez, não teríamos nos anos 80 alguns dos nossos desenhos preferidos, talvez George Lucas faria um Star Wars diferente, talvez - no maior extremo, de leitores dele - nem alguns filmes de Vampiro seriam como são hoje. Criaram-se tribos em torno destas ficções que agora não podemos mais ignorar como coisa de criança e apenas para o sexo masculino. É um pouco de tudo isso, que vamos falar em 3 Artigos.

Tolkien se inspira nas tradições nórdicas e celtas e refaz à sua própria inspiração. A própria Terra Média é o nome de Midgard, o mundo dos homens da mitologia nórdica. Tolkien transformou os elfos - que no Brasil, antes de divulgar seus livros, entendiamos como meros "duendes" - no que são reconhecidos pelo mundo atualmente, colocou-os vivendo com os orcs, humanos e os anões, e presenteou-nos com a raça dos hobbits. 

A habitação dos Hobbits
Se algo aprendemos com as raças de Tolkien, - que não sinto nenhum racismo implícito deste sul africano - é exatamente quando os comparamos com os humanos. Humanos são mais gananciosos que os hobbits, menos dados às coisas do espírito que os elfos, são menos determinados que os anões. Mas com certeza, o pior humano é ainda melhor que um orc, que personificam a barbárie e a guerra. Para entendermos o Homem, olhamos as raças com que convivem.

Tolkien mudou seu estilo, antes da II Guerra em 1937 com o "O Hobbit"e depois em 1955 com "O Senhor dos Anéis", mas sua essência é a mesma. A narrativa é ao mesmo tempo rebuscada e gostosa de ler. Em geral, os livros ou escolhem uma coisa ou outra. Escrevia com linguagem adulta, textos que começavam de forma infantil. Alternava - bem no gosto de Shakespeare - o trágico, o épico e o cômico. A descrição completa de seu mundo, feita por um estudioso da Geografia, enquanto para outros escritores eles simplesmente estão a serviço da estória, Tolkien coloca o drama de "O Senhor dos Anéis" dentro do universo que ele criou com calendário, dinheiro, estações do ano. O idioma próprio dos anões e elfos  - que ele mal explicava em O Hobbit - tem pra mim grande lógica, combinando sufixos e prefixos de idiomas antigos com radicais originais.  

Ressalto para a gastronomia, coisa que envolve qualquer leitor: A cozinha dos Hobbits ou o "pic-nic" dos elfos nos dá água na boca, como descreve nos faz esquecer qualquer destes fast foods e pensarmos em pães com mel, ervas, frutas e vinhos...

Há alguma moral em sua obra, ou a resposta daquela chata pergunta pós-moderna de "pra quê ler isto?"
Tolkien era amigo de Lewis, o autor de "Crônicas de Narnia". Os dois lutavam para publicar obras de fantasia com toda seriedade para adultos. Colegas escritores troçavam, até fazendo uma paródia de nome "O Boggit". Para os dois autores, que remaram contra a tendencia da época, o distanciamento da realidade construtivo é saudável. Como nós hoje assistimos desenhos animados ou jogamos videogame. O raciocínio contrário levariamos a abandonar o gosto por mitologia grega, ou arte surreal, que sabemos o quanto é saudável.

Em "O Hobbit" o herói - simplesmente escolhido - deixa o conforto tedioso do lar  na busca de devolver um reino e um tesouro contra um dragão. Diferente de hoje, uma época super-consumista, mas a ficção sempre tem que ter um fim nobre, a luta é por um tesouro mesmo sem nenhuma culpa, até há um contrato na aceitação de Bilbo no grupo, que não era nenhuma falta de romantismo.

Dragões na Idade Média sempre eram a personificação do Senhor feudal cruel, e depois do burguês, acumulando tesouros e exigindo virgens para não destruir as vilas humanas.

Já "O Senhor dos Anéis" com a profundidade em criar a Terra Média, torna a trama mais para o lado do épico. Há capítulos inteiros empenhados em apenas contar os acontecimentos do passado, das outras eras.
O grande trunfo de Tolkien consiste em transformar o anelzinho mágico de Bilbo - que o autor nem explicou nada sobre ele em "O Hobbit" - na causa de uma guerra espetacular entre o bem e o mal.


Tolkien já avisa que foi escrevendo livremente, é tentador não relacionar o livro com a II Guerra Mundial que ele viveu, ele nega totalmente qualquer alegoria intencional. Aí acabam as semelhanças, "Crônicas de Narnia" tinha uma moral da estória intencional, uma grande e proposital alegoria. Tolkien, mesmo tendo vivido a II Guerra disse que se ausentou de qualquer referencia intencional. Sauron não é Hitler, mas é inegável sentir que o peso do Desastre é sentido antes e depois em "O Hobbit".


Boromir no livro fala que Sauron ameaça "as terras de paz e livres", bem no discurso das nações aliadas. Alguns pensam nos "amarelos" dos orcs - eles não eram esverdeados? - uma referencia aos asiáticos.
As raças dos homens, elfos e anões se unem como no "O Hobbit",  não pelo tesouro, mas pela liberdade da Terra Média, representando os povos livres, como França, Inglaterra, USA e até a URSS unem suas forças contra o Eixo. 

Talvez não precisava ser intencional. O inconsciente faz estas coisas. O bem e o mal são discutidos exaustivamente na obra. O excesso de poder consegue corromper e poucos teriam força para resistir, iniciamos com um propósito bom, mas acabamos corrompidos. Gollum, uma espécie de Caim da Terra Media é consumido pelo anel - e apresenta 9 tipos de transtornos  psíquicos da vida real segundo a "Revista Superinteressante". No fim, temos Aragorn como aquele que corrige o erro do antepassado Isildur, o que deveria ser a missão de todos nós, quebrar o circulo vicioso dos erros das antigas gerações.  

O Senhor dos Anéis é uma "mitologia moderna"? É o mesmo que vale para "Star Wars" no cinema. Depois disso, tudo virou cópia de Tolkien, como Tolkien viu os orcs, anões ou elfos, os outros escritores nao conseguiram ver de outra forma. A herança que temos em Dungeons & Dragons (o jogo, o filme, o desenho animado) ou Eragon. Por fim, a despeito de personagens valentes como Aragorn, sábios como Gandalf e poderosos como Legolas, vemos o drama recair em personagens simples como Bilbo, Frodo e Gollum. Gandalf acredita no heroísmo dos hobbits porque eles são dedicados e amam as pequenas coisas.

Antes que alguma alma feudalizada levante teorias maléficas na obra, Tolkien e Lewis eram cristãos convictos, Tolkien com seu Senhor dos Anéis, católico fervoroso e Lewis, autor de Crônicas de Nárnia, protestante exemplar. Com tudo isso, o jornal "The Sunday Times" está certo em dizer que o mundo é dividido entre os que leram estas duas obras e ainda não a leram, parabéns a Tolkien!!

Em tempo: Gosto de usar os mapas da Terra Média nas aulas de cartografia como exemplo de mapas imaginários. Tolkien também era do nosso time de estudos de ciências humanas. Copiaram a dica, professores?


sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Zillion - A Invasão Japonesa


(Um introdução à Globalização)
O ano era 1988. O Brasil aos poucos abria-se para o mundo após a ditadura militar. Quase toda influência estrangeira era “made in USA”, por determinação do regime com raras exceções e censura. Nesta época, chegava em terras brasileiras um anime (desenho animado japonês) de nome Zillion, dos Estudios Tatsunoko de 1987. Contava um enredo diferente dos que os garotos e garotas estavam acostumados: uma guerra em 2378, entre a espécie humana e uma raça alienígena num planeta distante pela sobrevivência. Nele, os heróis, (o desajustado J.J, a linda Apple e o vaidoso Champ) contavam com pistolas lasers misteriosas chamadas Zillion. A série, apesar da curta exibição, tinha sido sucesso rápido no Brasil, com doses de violência até então não vistas em desenhos animados de heróis exibidos aqui, como “He-man” ou “Thundercats”.

Um ano depois, a Tectoy (empresa de brinquedos eletrônicos brasileiros) é autorizada como filial da SEGA (empresa japonesa de videogames) para fabricar o videogame Master System, com recursos muito superiores a um dos poucos videogames conhecidos dos brasileiros, o Atari. O Atari não tinha tornado ainda um hábito dos jovens brasileiros ter um videogame doméstico, ou passar mais de 1 hora e meia jogando-o. Ainda o governo militar fazia questão de apenas permitir cópias feitas no Brasil, uma espécie de "pirataria oficial".

 O brinquedo contava com uma pistola Q-zar, de luz vermelha, que com um sensor preso no peito, simulava um “paintball” eletrônico. Aqui no Brasil recebeu o nome de “pistola Zillion”. Surpresa também foi o lançamento de dois jogos no mesmo ano, “Zillion” e “Zillion II: The Tri-Formation”. O primeiro jogo é hoje peça raríssima de colecionadores devido à grande venda, levando dias para ser concluído o desafio. Já o segundo foi classificado entre um dos clássicos da SEGA. A música (algo raro nos jogos de Atari) era uma versão do tema do desenho, cantado pela cantora Risa Yuki, desconhecida no Ocidente. 
Muitos fãs compreendem hoje que o anime foi feito como um acordo entre o estúdio de desenhos animados e a então jovem empresa de videogames, garantindo o sucesso tanto dos animes quanto do Master System no Brasil e na Europa.

Em tempo: o caso de Zillion e o Master System é uma boa oportunidade de discutir a abertura da Globalização, e o papel da mídia e das transnacionais, além é claro, a onda da revolução tecnológica.